Era uma vez…ops!

Em um reino distante, vivia um rei viúvo com sua filha. Cansado de viver sozinho, o rei resolveu casar-se com aquela que lhe prometera ser uma esposa fiel e dedicada à pequena Branca de Neve. Isso mesmo, o nome surgiu pelo fato da menina ser alva como a neve.

Quanto mais o tempo passava, a menina crescia em beleza e formosura. Todos que a viam admiravam sua beleza. Enquanto isso, sua madrasta se mordia de tanta inveja e  utilizava um espelho mágico para fortalecer o seu ego narciso.

̶  Espelho, espelho meu, há no mundo mulher mais linda que eu? Perguntava constantemente a tal madrasta.

̶  É claro que não, igual a ti, outra não há em beleza. Respondia o espelho.

Entretanto, a Branca de Neve despontava em beleza. E um dia, a madrasta perguntou ao espelho se ela continuava a mulher mais linda do mundo. O espelho respondeu:

̶  Infelizmente, minha rainha, a mulher mais linda do mundo é a Branca de Neve.

A madrasta malvada, em comum acordo com um caçador, pediu o coração da Branca de Neve como prova de sua morte. Entretanto o caçador, de coração mole , resolveu soltar a Branca de Neve na floresta e entregou à rainha malvada o coração de um animal.

Branca de Neve perambulou pela mata, porém não se sentiu triste e nem abandonada, pois os bichos eram seus companheiros e a protegiam do perigo. Apesar de tudo ela olhava ao redor e achava beleza nas plantas, nas borboletas, nas cores dos pássaros, no aroma das flores e dormia ao som dos sabiás.

Dias depois, encontrou uma casa abandonada que pertencia aos sete anões. Eles a trataram com muito carinho e enchiam Branca de Neve de mimos, presentes e elogios. Enquanto os sete anões iam para a mina de carvão trabalhar, a princesa cuidava da casa e dos afazeres do lar.

Um dia, na volta do trabalho, os anõezinhos perceberam que a Branca de Neve estava desfalecida. A madrasta teria se disfarçado de vendedora de maçãs e oferecido  uma maçã envenenada para a linda princesa.

Eles ficaram muito nervosos e resolveram colocar a linda Branca de Neve em um caixão de vidro. De repente apareceu um lindo príncipe, montado em um cavalo branco. Ele ficou  admirado com tamanha beleza que  sentiu vontade de beijá-la. Ao se aproximar daquela encantadora jovem, percebeu que sua boca estava seca, sem vida e, no canto, havia uma espuma esbranquiçada.

O príncipe afastou-se, montou em seu cavalo branco e sumiu à galope.

Contos Contemporâneos: segunda a segunda

Domingo: às 21 horas você já sente aquela sensação ruim, aquele peso que vem quando a segunda, nojenta segunda, se aproxima.

Segunda: quem não queria matar a segunda com uma chinela, que nem barata, que morre agonizando, afogando-se em seu sangue amarelado? 7 horas da manhã ou 8 horas, sei lá a hora que você acorda, você sente muitas coisas, a mais forte delas com certeza é preguiça, ou seria a repulsa?

Terça: seja lá o que for, na terça, as coisas tendem a melhorar. O impacto da segunda foi amortizado pelo conformismo, mas ai aparece alguém ou algo que te irrita profundamente e o mais forte sentimento de ódio te consome, ou seria a repulsa?

Quarta: é aquela falsa sensação de que a quinta está chegando e logo mais a sexta vai raiar com o seu humor perecível. A partir deste dia, ou você surta, ou você já está bem com a realidade. Mas, é geralmente nesse dia que as pessoas que fazem questão de despertar o sentimento de que a sua semana não vai melhorar se depender delas, aparecem. Seria elas a sentirem repulsa?

Quinta: um dia sensacional para você não levantar da cama. Até que o despertado insiste em tocar e você finge que não é com você. RAIVA! Ou seria repulsa? Amanhã é sexta, tudo bem.

Hoje é sexta e você quer apenas ficar longe de tudo e bem perto do nada. Mas as coisas estão acabando e você tem esperança de que o dia vai ser bom, pelo menos depois das 22 horas. Ai você chega em casa e não levanta do sofá pois é tomado por aquele sentimento de morte lenta ou seria de repulsa?

Sábado: ou você dorme muito e perde a vida por que está muito cansado ou você levanta e perde a vida pensando no que deveria fazer para não perder a vida. E você sente-se impotente. Pior, você sente repulsa, porque amanhã é domingo e o domingo, diferente de você, não tem nojo da segunda.

A semana passa e você tenta não passar com ela e o que te faz continuar é o sentimento de repulsa, de afastar o ódio da segunda, os problemas da terça, as pessoas que insistem em fazer da vida difícil ser mais ainda na quarta, o despertador que insiste em tocar na quinta, o cansaço implacável da sexta, as dúvidas do sábado e a segunda do domingo. Respondendo, tudo é repulsa, de segunda a segunda.

Tripofobia e algo mais

Mas que dor nas costas! Exclamou Vitor com forte braveza na voz, depois de horas de agonia.

Ele nunca tinha sentido algo tão estranho. Era uma dor muito incômoda misturada com uma agonia incomum. Por mais que tentasse, com suas próprias mãos, não conseguia alcançar o lugar de suas costas que latejava ardentemente. Ao se olhar num espelho, pode perceber que a região estava em um tom de vermelho jamais visto.

Com uma varinha, dessas de coçar as costas, ele apenas tocou na região vermelha de suas costas e de tanta dor acabou desmaiando. Horas depois, quando acordou, ainda meio grogue, pôde perceber que a região que antes doía-lha a alma, agora estava coçando e inchada, muito inchada.

Coçar a região com aquela varinha já estava ferindo sua carne e, a medida que o tempo passava, podia sentir como se algo se movesse dentro de si, entre os ossos da coluna e o couro que a cobria.

Já eram 6 horas da manhã e Vitor não tinha dormindo nenhum pingo. Nessas últimas 4 horas de sofrimento aquela ferida já tinha quadriplicado de tamanho e tremia intensamente. Já não estava na mesma região, parecia se mover mesmo, era como se estivesse se deslocado para perto da pá das costas.

Aquela estava sendo a pior experiência da sua vida. Como pode uma coisa doer, depois coçar? Como pode uma ferida estar num lugar e depois no outro? Por que crescia tanto e tão rápido?

Vitor não parava de olhar suas costas no espelho. Percebeu que naquele calombo estavam brotando buraquinhos pretos. Eram bem uns 12 buracos pretos, todos espalhados por aquela região, pareciam formar uma colméia. Deles começou a escorrer um liquido amarelo, denso e brilhoso, parecia mel, só que  mais sujo.

Aquela cena lhe deu tanto asco que se colocou a vomitar. Vomitou tanto que sentiu colocar para fora o suco gástrico do finzinho do estômago.

– Deus amado, que está acontecendo comigo?

Quando se olhou novamente no espelho percebeu que suas costas já estavam tomadas por inteiro por aquela colméia. Quando olhou seu peito e barriga, estes também estavam tomados por buraquinhos hexagonais. Seu rosto também continha esses buracos e até as palmas das mãos estavam comprometidas.

De uma hora pra outra percebeu que saía-lhe abelhas pelas costas, barriga, peito, face e até pela parte de trás da cabeça, por entre os cabelos melados. Elas não paravam. Eram centenas de abelhas saindo de dentro de si. O apartamento, no décimo terceiro andar, estava empestado de abelhas. Vitor saiu gritando por todos os cômodos, ele estava louco, nunca tinha sentido tanto nojo, foi aí que, depois de tanta agonia, se jogou pela janela do quarto.

A mudança necessária

Ele estava irado. Chegava naquele momento de um jantar, que reunia sua família, incluindo sogros e cunhados. A convivência com a família de sus esposa tinha sido até então muito proveitosa e amigável. Naquele dia, porém, seu cunhado – aquele mais gordo – num gesto no mínimo deselegante, lhe ofendeu após uma discussão sobre algo sem importância. Xingou-o e acabaram na briga física.

O primeiro sentimento a aparecer nessas situações é a raiva. E foi isso que aconteceu. Foi magoado e sua ira era justificável. Com o tempo, a mágoa tende a deixar o centro das atenções e a raiva vai embora. Mas fica o asco. É como se fossemos queimados a ferro. A dor sai, mas fica uma marca. Uma marca que tende a nos forçar um comportamento de repúdio às situações as quais nos fizeram sofrer; e, consequentemente, às pessoas que agiram assim.

Aquele asco lhe acompanhava para todo o sempre. Não incomodava, mas existia em seu ser. Embora toda sua civilidade no tratamento com as pessoas, não escondia o repúdio que sentia por aquele gordo. E como não sofria de amnésia, o asco era evidente sempre quando via aquele cunhado, mesmo que anos depois.

Ele tinha uma vida maravilhosa, formara uma família bonita e amorosa, tinha um trabalho digno e era respeitado. No entanto, aconteceu que sua vida perfeita que ele levava um dia ruiu. Foi acometido por uma certa doença, muito grave. E foi nessa hora que aquele gordo fez diferença em sua vida. Era médico e não mediu esforços para salvar a vida dele. Meses de sofrimento se passaram até que ele tivesse a saúde restabelecida e, que ironia, ele agora devia sua vida ao cunhado asqueroso.

Aprendeu, nesse tempo, que nenhum sentimento é absoluto. Não todo o tempo. Ora, sermos humanos implica imediatamente à possibilidade e, mais que isso, à necessidade de mudança contínua. E quem não se permite mudar para no tempo. Torna-se inútil, desnecessário.

É certo que algumas coisas tornam-se características nossas. De forma tal que sem elas ficamos irreconhecíveis. Mas mesmo essas características, acredite, são passíveis de mudanças. Seja por um novo ambiente favorável, seja por acontecimentos que nos forçam a isso. Seja qual for o motivo, não há nada em nós, nada, que não possa mudar.

Nesse caso, a doença foi um instrumento da vida para promover a mudança do seu ser. E a vida dispõe de vários desses meios.

E não há ninguém que permaneça impassível à necessidade de mudança. Pois a vida não permite que você saia dela sem antes promover o ordenamento dos seus sentimentos e pensamentos para aquilo que precisa ser mudado, aquilo para o qual você existe. A não ser que tornou-se idiota a tal ponto de ser incapaz de mudar quando preciso.

O fato é que as pessoas mudam, porque a vida muda as pessoas. E feliz de quem adere à mudança.

A Metamorfose II

Quando uma barata qualquer da rua despertou, certa manhã, viu que se transformara, durante o sono, numa espécie monstruosa de mamífero. Estava apoiada no chão e sua couraça dura havia dado lugar a uma pele rosada e mole. Seu ventre abaulado e marrom também estava coberto daquela membrana rosa esbranquiçada. Possuía mãos, pés e até rosto. Era um minúsculo ser humano que, naquela manhã, acordava em um ninho de baratas, para ele, gigantes.

Aquele ser metamorfoseado havia ganhando evoluções biológicas com as quais não sabia lidar. Em essência, era uma barata, logo não possuía racionalidade para compreender sua transformação. Encontrava-se em um ambiente úmido, escuro e com um odor quente, abafado de dejetos humanos que preenchia seu pulmão recém-formado.  O lugar já lhe agradara outrora e, agora que havia por um acaso subido alguns degraus na taxonomia, podia gozar daquela experiência com maior profundidade sensória. Ainda que não se desse conta disso.

Quando percebeu que suas companheiras saíam do cano em busca de alimento instintivamente as seguiu. Não tinha agilidade para acompanhar, pois ainda não sabia como se movimentar com seu novo corpo. Saiu rastejando pelo escuro, arrastando a palma das mãos e a sola dos pés na sujeira macia que a cercava. Foi parar no asfalto, onde as outras baratas circulavam um rato morto gigantesco. Sentiu uma pontada no estômago. Não era possível distinguir se era de prazer  ou de asco. Sua porção de natureza de barata a levava em direção ao rato. O cheiro putrefato do animal morto a repelia inconscientemente. Lutou contra si mesma assistindo suas companheiras se fartarem no café da manhã.

Saiu dali em busca de um alimento que conseguisse comer. Rastejou por centímetros e centímetros pelo asfalto quente e estava longe de chegar em qualquer lugar em que pudesse comer algo. De longe, o cheiro do rato não lhe causava nenhuma angústia. Assim, refez o caminho e voltou até onde encontravam-se as baratas.

Lá permanecia o roedor com as patas viradas para cima. Imponente e morto. Se o pequeno ser humano fosse dotado de alguma racionalidade, provavelmente lamberia os beiços em sinal de aprovação àquela refeição que, ironicamente, estava lá “dando sopa”. Aproximou-se mais uma vez e sentiu o estômago revirar novamente. Continuou se aproximando e lutando contra o seu novo lado, o lado ser humano. Conseguiu encostar as mãos no pelo espesso do rato, mas não pôde ir muito além disso. Instintivamente, mais uma vez, foi repelida.

Seguiu arrastando-se pela calçada até encontrar uma imensa maçã roída próxima a uma lata de lixo colossal. Pareceu que ali seu estômago não tinha que lutar contra nada, então, chafurdou-se no que restava da enorme fruta apodrecida. Aquilo sim era um banquete. Encheu seu pequeno estômago de maçã podre. Agora sim estava alimentada e podia sair para explorar o mundo. Um mundo conhecido, mas totalmente novo para aquele pequeno ser- humano com mente de barata que acabara de nascer.

Com o olhar perdido, contemplou a calçada. Pôs-se de quatro e rastejou sem rumo pela rua.

 

EW!

Depois de um dia pesado de trabalho, finalmente ela chegara em casa. Será que alguém se lembra da Marina? Moça jovem, bem-sucedida e linda de morrer. Pois é, mais um dia tinha acabado e ela enfim estava em seu apartamento. Como todos os dias o motorista a deixou em frente ao prédio, ela passou pelo saguão a passos curtos e rápidos, desejou boa noite ao porteiro e seguiu em direção ao elevador.

O elevador emitiu um sinal sonoro, 18º andar. Ela não pode prender o suspiro quando chegou em frente a sua porta. Colocou a chave na fechadura e enquanto girava sentiu o peso do cansaço daquele dia.

Supersticiosa, sempre entrava com o pé direito em casa. Fez isso e acendeu a luz. Enquanto soltava um berro, que rompeu o silêncio do apartamento, foi parar em cima da poltrona que ficava no canto perto da porta. Uma barata gigantesca a encarava. Mesmo aterrorizada, ela também encarou aquele monstro parado no meio de sua sala. Quando marina fez isso a barata nem se mexeu, mas balançou suas anteninhas rapidamente como quem diz “Não vem não!”. Sentiu um arrepio estranho e se sentiu altamente ameaçada. Era como se fosse ser atacada e morrer naquele instante. Sendo assim, começou aquele momento em que a vida inteira passa em sua mente.

Começou por sua infância. A primeira briga de seus pais que Marina havia presenciado. A frase ecoou em sua cabeça. Não acredito que você foi capaz de fazer isso comigo, Rafael. Me trair com uma qualquer depois de tudo que construímos. Depois de tanto eu me dedicar a você.

            Retornou à realidade e encarou mais uma vez aquele bicho asqueroso no meio da sala. Ela mais uma vez balançou suas antenas e andou na direção de Marina. Ela se retraiu na poltrona e mais uma vez foi pega por uma de suas lembranças. Dessa vez era o seu primeiro namorado quem falava. É sério, Marina? Você realmente acreditou que eu queria algo com você além de sexo? Mais uma vez retornou à realidade e a barata estava ainda mais perto dela. Suas antenas balançavam freneticamente como se estivesse se preparando para voar para cima de Marina.

4 anos atrás. Foi para onde as lembranças de Marina a levaram desta vez. Marina já namorava Fernando há 5 anos. E três meses atrás tomaram a decisão de morar juntos. Em um dia em que ela se sentiu indisposta no trabalho e chegou em casa mais cedo ela pegou ele e sua amante na cama deles. Ele já a mantinha há pouco mais de um ano.

A tristeza a atingiu de forma súbita e ela teve que enxugar uma lágrima em seu rosto. Ela procurou a barata e percebeu que ela estava muito perto agora. As antenas balançavam de forma ameaçadora de um lado para o outro. Marina engoliu em seco a tristeza e uma outra lágrima que tentou escorrer e pisou na barata.

– Asco? Asco eu tenho de gente covarde e sem caráter. De quem não respeita os sentimento alheios. De quem não sabe amar. Com uma barata eu posso me resolver como devo fazer com essas pessoas. Pisando em cima.