Saudade

Qual é a linha, o limite, a fronteira?
Até onde vai a borda que separa o catupiri da pizza e a pizza do prato?
Quando a pele termina e separa o eu do mundo e o mundo do eu?
O que fazer com a entropia que não deixa a pasta de dente voltar pro tubo?
E esse passado que fica longe do agora, seria o futuro que já virou passado?
O que se fazer com essa saudade de misturar tudo, de rasgar a pele, morder a pizza, cortar a linha, burlar a fronteira, não ter limites nem tempo?
Por enquanto, o que resta é só acordar e escovar os dentes.

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O gosto do desgosto.

Toda vez que acabo de ler a coluna desse cara eu suspiro, queria escrever como ele. (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/)

Acho que não sei mais escrever crônica, mas vou voltar a tentar.

Eu escrevia muito quando era adolescente (que diga a minha professora de português que sempre me elogiava, corrigia, minhas, vírgulas, e, minha, mãe, que, me, apoiava).

Foi aí que fui convidada a escrever no jornal e tomei mais gosto por crônicas. Todo domingo, estava lá meu texto na coluna “Papo Cabeça”, do Jornal Correio da Paraíba. (Saudades da Paraíba)

Quero voltar a escrever pela delícia de escrever, porque por enquanto, parece que só escrevo pra pagar contas. Tudo bem que entre um job e outro, tem um que ainda me arranca um sorriso, mas a maioria me arranca o juízo. 

Antes ninguém precisava aprovar meus textos, no máximo corrigir uma vírgula (sempre tive problema com elas). Hoje, além de aprovar, todo mundo que tem um domínio mediano do idioma, tem alguma grande contribuição a fazer, seja mudar uma palavra por seu sinônimo ou reescrever o parágrafo trocando duas ou três expressões. 

Será esse o motivo do meu desgosto?

Ainda bem que aqui posso escrever sem precisar da aprovação de ninguém (ainda que ninguém leia ou quem leia desaprove) e com a ajuda do corretor ortográfico do Word não preciso mais da minha professora de português. 

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O Grande Mequetrefe

Se você procurar no dicionário o significado da palavra “mequetrefe”, vai encontrar como definição “João”. Tudo bem, é mentira, não vai encontrar… Mas com certeza vai encontrar um pouco de João em todos os verbetes. Isso porque João era mequetrefe até a última gota, até o talo, até debaixo d’água, até o cu fazer bico, até em todos os sentidos que você encontrar nesse mesmo dicionário. Bom, até aí morreu João, vamos ao que interessa.

Ele trabalhava na oficina Geladeira & Cia como, veja só você: mequetrefe. Isso mesmo, consertava eletrodomésticos. Se é que pode dizer que consertava, porque alguns micro-ondas saiam de lá mais mequetrefes que o próprio João. Até que um dia, o Seu Silva perdeu a paciência e o demitiu, acusando-o de ser, ipisis litteris: “um bangalafumenga, chibanguá, camunhengue de merda!”, o que de tal discurso João compreendeu somente a última palavra e ficou solenemente ofendido dizendo que quem pedia demissão era ele.

Agora sim, desempregado, sem ter onde cair morto, naquele dia, João voltou para casa se sentindo um verdadeiro mequetrefe, zé-ruela, zé-das-véstias, zé-ninguém, mais José do que João. Andou para casa cabisbaixo, sorumbático, bem macambúzio mesmo. “O que minha mulher vai pensar de mim? Agora ela vai ter que sustentar a casa sozinha…” e nem passou pela cabeça de João-mequetrefe, aquele dia, que poderia conseguir um novo emprego.

Abriu a porta e um tamanco veio voando em sua direção. “Ela já sabe que fui demitido…Só pode”. E em seguida, veio Jandira gritando “O Seu Silva me ligou! Seu mequetrefe de meia tigela! Patife! Mariola! Intrujão! Já estou sabendo de tudo”, o que deixou João bem assustado e surpreso em saber que sua mulher tinha um léxico tão completo quanto o de Seu Silva. E ela continuou a bradar: “Eu sei que você forjou sua demissão passando manteiga com açafrão nas engrenagens da máquina de lavar da Dona Zuleide, só para ela voltar lá na oficina cheia de roupas amarelas e reclamar com o Seu Silva! Francamente que falta de caráter!”. João não tinha como se defender da acusação, realmente tinha feito o malfeito. Era um mequetrefe assumido, mas ainda assim tentou acalmar a mulher. Nada adiantou. Naquele dia João dormiu no sofá.

Entre tudo que mais amava na vida, Jandira era o que João tinha de mais precioso. Ele não queria perdê-la de jeito nenhum. Gostava dela nos mínimos detalhes, do seu temperamento explosivo, seu jeitinho difícil, seu pavio curto. Por isso, no outro dia, resolveu conversar e pedir desculpas: “Jandira, eu faço o que você quiser para me desculpar! Não quero ficar em casa vagabundo, caiçara, fanfarrão. Eu te amo tanto ”. E Jandira apenas respondeu: “Se me ama tanto, vem trabalhar comigo no salão”.

E lá foi João para o Jandira Coiffeur. O que as pessoas não fazem por amor. Começou varrendo os cabelos do chão, depois lavando os cabelos,em seguida já estava fazendo escova, chapinha, alisamento, permanente, babyliss e até escova progressiva turmalina com óleo de argan com cheiro de chocolate. Jandira só mantinha a rédea curta e deixava-o bem longe do quartinho de depilação e sobrancelha. Fora isso, até em bancar a manicure, João já tinha experiência. Nunca uma profissão tinha dado tão certo para ele como essa de multi-tarefas no salão de Jandira. Mas o que João mais gostava mesmo na sua nova vida era das fofocas. João era um mexeriqueiro, abelhudo, xereta, metediço. João adorava falar da vida dos outros, em outras palavras, era um verdadeiro mequetrefe.

Paradoxo da construção

Construí minha casa e destruí o solo do terreno.

Construí meu casamento e destruí todos os possíveis futuros namoros.

Construí minha identidade e destruí todas as outras.

Construí minha carreira e destruí o sonho dos meus pais.

Construí um castelo de areia e destruí a torre logo depois.

Construí um imaginário e destruí a realidade.

Construí várias ideias e de cara destruí a primeira.

Construí a vida destruindo.

E é assim que funciona. Independente de tudo, ao fazer suas escolhas, você sempre vai ter um tijolo na mão. E um martelo na outra.

 

Manifesto de Rino Levi

“Dedico este canteiro de obras, este jardim-operário, aos esquecidos de Deus que construíram esta cidade de Brasília e que, um dia, construirão comigo, em sonho e sem dor, a cidade de Braxília”. Nicolas Behr

Eu tenho orgulho de morar em Brasília. Cidade da arquitetura ousada de Niemeyer, cidade da organização, cidade dos prédios mais altos do mundo. Às vezes, saio de casa e penso “não viveria em outro lugar do planeta”. Há quem diga que é só cidade de política e que a podridão do Brasil se concentra toda aqui. Mas quem conhece cada rua do chão e do alto dos prédios, não veria minha querida Brasília assim.

Minha história com a Capital é antiga, afinal eu nasci aqui, no hospital do meu prédio, a alguns andares acima. O médico que me trouxe ao mundo é meu vizinho inclusive: ele mora no 45º andar e eu no 44º. De vez em quando encontro ele de carro no elevador. A gente se acostuma logo com essa história de “superblocos” e “andares”, mas quem não é da capital, acha tudo muito estranho.

Minha vida começou aqui, porque meu avô, que era um grande visionário, veio para cá, em 1965, na época da inauguração. A construção da cidade atrasou um pouco, por causa da superestrutura que exigiam os prédios, por isso, muitos dos arranha-céus que vemos hoje ainda não estavam prontos quando ele chegou. Mas, como ele tinha conseguido um emprego muito bom na nova capital, trouxe minha avó e meu pai para cá para viverem juntos no 19º andar do bloco 1. No começo era difícil entender como funcionava aquela cidade suntuosa, a arquitetura de Niemeyer e prédios com “buracos” para ventilação. Fora o tanto que a minha avó sofreu por ter medo de altura e toda vez tinha que pegar o carro e ir pra quitanda no 37º andar. Para quem sempre morou na pacata São Paulo de prédios baixinhos, os superblocos de 300m de altura e 400m de largura eram mesmo assustadores. Hoje em dia, vovó acha graça de ter 16.000 vizinhos, é a coisa mais normal do mundo para ela. E para mim, eterna brasiliense, sempre foi.

Eu queria ter vivido naquela época, ter visto a cidade crescer para cima, ter visto essas estruturas de metal descobertas de concreto. Talvez tudo fosse ainda mais bonito naquele tempo, os superblocos mais novinhos, as vias sem uma superlotação de carros, os elevadores com menos pessoas pedindo esmola e menos gente passando necessidade. Talvez moraria no prédio que funciona a UnB, talvez sairia na a noite para ver a novela em preto e branco no bloco de uma amiga, talvez andaria entre os paredões de concreto, pegando sua sombra numa tarde abafada de outubro. Minha vida seria diferente, minha Brasília seria diferente, mas mesmo assim, o melhor lugar do mundo para mim.

Eu sei que falta muito para essa cidade ser um lugar perfeito, ainda que muito bem projetada. Até mesmo acho que falta muito para ser o lugar ideal para receber a Copa de 2014. Mas eu acredito que 2 anos para um estádio e um transporte público decente não é nada para um povo que foi capaz de erguer  18 blocos de 50 andares em 10 anos. Te adoro, Brasília, exatamente como você é.

Manda a gente escrever!

Vem aí uma superpromoção do blog memandaramescrever! Mande seu tema que a gente escreve. Pronto, é isso a promoção, pessoal. É só escrever um tema nos comentários desse post que a gente sorteia. Precisamos de novas ideias e ninguém melhor que você, nosso querido leitor, para sugerir. E aí, já pensou em algum? (oi? Tem alguém aí?)

A construção do que é perfeito

Fitava seus olhos na paisagem através da janela;
Podia sentir o cheirinho de mato molhado invadindo aquela sala;
Acariciava a cabeça de sua filhinha que brincava com seu LEGO;
E sentia o doce aroma do bolo de cenoura sendo preparado por sua sogra.

Sua esposa era tão bela que mal podia descrevê-la;
Nenhum utensílio competia por atenção e mal havia uma TV;
Um “sonzinho mp3” era suficiente para embalar aquela alegria;
E com a internet Wireless se atualizava sobre o que acontecia lá fora.

Um piso de tábuas corridas;
Na varanda telhas coloniais e uma linda churrasqueira;
Um pézinho de tomates-cereja ajudava nos almoços de domingo;
E o Tó-tó corria solto no quintal gramado.

De noite dormir era uma delícia;
Fazia frio lá fora, mas o quarto era quentinho;
Toda a casa ficava em silêncio, sem nenhum barulho de carro;
E a estrada mais perto, ficava a dois quilômetros.

De manhã tinha um pão quentíssimo e fresquinho;
Suco de laranja, acerola e cajá completavam o desjejum;
Na mesa eram quatro lugares, todos ocupados;
E os metais reluziam naquela linda cozinha planejada.

Todas as paredes muito bem pintadas;
O piso refletia ao ponto de sua filha usá-lo com espelho para brincar;
As portas de madeira maciça eram muito leves de se abrir.
E na cabeça de um morador de rua, toda essa construção não passa da arquitetura de um sonho de vida.

A CASA CAIU

O rádio relógio despertou e instantaneamente ele abriu os olhos. Se levantou, só de cueca, abriu a cortina do quarto e, coçando a cabeça, deu uma espiada na vizinhança. Ele morava no alto de um morro em uma favela do Rio de Janeiro. Valdir tinha 22 anos, carioca, moreno, forte, cabelo raspado, mais ou menos 1,76m e trabalhava como pedreiro.

Valdir, era um cara muito bom. Sempre preocupado com as pessoas que o rodeava. E sempre, SEMPRE disposto a ajudar a alguém que tivesse algum problema. Era também muito dedicado ao trabalho. Ele era conhecido por erguer paredes como ninguém. Extremamente cuidadoso.

Sua mãe já o esperava na cozinha com o café da manhã pronto quando ele saiu do quarto com sua calça jeans velha, camiseta e uma bota completamente suja de cimento. Ele se sentou, serviu o café em um copo de requeijão, pegou um pedaço de pão e melou no café para comer. Enquanto mastigava, lembrou que hoje ele e sua equipe começariam uma nova obra. Um grã-fino que havia comprado uma casa e queria construir mais alguns cômodos, uma churrasqueira nova, um bar perto da piscina. Olhou para o relógio, engoliu o último pedaço de pão, terminou o café em um gole só, deu um beijo em sua mãe e saiu correndo pela porta.

–      Bom dia mãe. Já “tô” atrasado.

Entrou no ônibus e viu uma mulher muito bonita com quem puxou papo para passar o tempo. Afinal, ele ficaria pelo menos 1 hora naquele meio de transporte cheio. Papo vai papo, a moça reparou que Valdir tinha uma aliança na mão direita.

–      Você tem namorada?

–      Tenho.

–      Mas você estava dando em cima de mim, me elogiando, até me chamou pra sair.

–      E qual o problema?

–      O problema é que você tem namorada.

O rapaz já meio que se defendendo, disse para a moça que nem em pensamento iria sair com ela. E que aquilo era só pra se divertir e passar o tempo. Ela se levantou irritada, olhou bem nos olhos do rapaz e disse:

–      Se é assim, você é mais babaca do que eu imaginei que fosse. Você conseguiu desrespeitar a mim, a sua namorada e até a você mesmo com essa atitude. Você engana sua namorada, me engana e se engana.

A moça virou as costas e desceu no próximo ponto.

Valdir seguiu sozinho por toda a viagem. Ninguém mais se sentou ao lado dele depois que aquela moça saiu. “pffff. Até parece. Isso não tem nada a ver. Só estou me divertindo um pouco. E não estou fazendo nada demais.

Trabalhou o dia inteiro sob o sol quente. No fim do dia, exausto, voltou pra casa. Chegou, tomou um banho comeu alguma coisa e ligou para Joana, sua namorada.

–      Oi meu amor. Você vem mesmo aqui em casa hoje?

–      Oi. Vou sim. Mas uma prima minha se mudou ontem aqui pra casa. Veio para trabalhar. E aí ela pediu pra eu levar ela pra comer alguma coisa e conversar. Mas vou passar aí sim. Aproveito pra te apresentar ela. Ela é ótima.

–      Tudo bem então. Estou te esperando.

Quando bateram na porta, Valdir estava sentado no sofá enquanto sua mãe preparava o jantar e aprontava já a marmita para o filho levar no dia seguinte. Lá da cozinha mesmo ela pediu que o filho abrisse a porta. Quando abriu a porta, Valdir sentiu suas pernas te traindo. A prima de Joana que acabara de chegar na cidade era a moça do ônibus mais cedo. Ele ficou completamente sem reação. Joana deu um beijo em seu namorado e disparou a falar.

–      Oi meu amor. Essa é Jéssica, minha prima que eu te disse que havia chegado ontem a cidade. Jéssica, esse é o Valdir, meu namorado.

–      Muito prazer, Jéssica. Seja bem vinda a cidade.

–      O prazer é meu, Valdir. Prima, vamos embora? Estou com fome.

–      Vamos sim. Só passei pra te dar um beijo, meu amor. A gente se fala mais tarde.

Quando as duas saíram, Valdir entrou em desespero. Não sabia o que fazer. Nem a comida de sua mãe conseguiu fazer ele parar de pensar no que havia feito e no que aquilo poderia lhe causar. Já eram quase 23h quando ele olhou o relógio na parede. Esse era mais ou menos o horário que Joana lhe ligava todos os dias antes de dormir. Ela não ligou. Deve ser porque se distraiu conversando com Jéssica. Adormeceu.

No dia seguinte, quando saiu do quarto pronto pra trabalhar, sua mãe lhe deu o recado.

–      Filho, a Joana passou aqui hoje bem cedo e deixou esse envelope pra você. Ela parecia tão abatida. Está tudo bem com ela?

–      Até onde eu sei, sim.

Quando o rapaz abriu o envelope, algo caiu de lá. Quando ele olhou para o chão, viu a aliança de compromisso que Joana usava com ele. Tirou rápido um bilhete de dentro do envelope.

“Desculpe fazer isso através de um envelope. A verdade é que eu não conseguiria olhar pro seu rosto e ver que a pessoa que escolhi pra mim não era bem quem eu pensava que fosse. A forma desrespeitosa com que trata o nosso relacionamento me impede de permanecer ao seu lado. Me torna uma pessoa triste. Me torna uma pessoa com raiva no coração. E isso eu não quero pra mim. Eu não suporto a ideia de você desejando outra pessoa. Me dói imaginar alguém te tocando. Me dói pensar que eu não vou mais te abraçar. Não importa o quanto eu te ame, e eu te amo. Muito.”

Muito triste, Valdir se despediu da mãe e foi trabalhar. Quando entrou no ônibus, Jéssica estava sentada e com um lugar vazio ao lado dela. Ele se sentiu meio desconcertado e ficou em pé mesmo. Já passando do meio do caminho, ele ouviu ela o chamando.

–      Valdir, senta aqui.

–      Oi Jéssica, tudo bem?

–      Comigo sim… mas e com você?

–      É… acho que poderia estar melhor.

–      Entendo. Tem uma coisa que queria muito te dizer. Ontem quando me disse que tinha namorada senti vontade de te dizer isso. Me disse que trabalha com construção, que trabalha fazendo casas. Pois bem. Acredito que viver seja exatamente como construir uma casa e sei que você faz isso muito bem. O que não prestou atenção, é que na vida não é muito diferente. Pra construir uma casa, você precisa escolher os materiais certos pra que o resultado seja uma casa forte e estruturada. Assim, pra tudo na sua vida, você deve fazer as escolhas certas. O seu futuro é um reflexo das suas atitudes e decisões. Em um relacionamento, a gente pode comparar a base de uma casa com o respeito. As paredes com o cuidado que devemos ter com quem nos relacionamos. O teto com a proteção desse relacionamento. Você esqueceu de tudo isso. E aí você já sabe, a casa cai. Desculpa, esse é meu ponto. Até mais.

Valdir deixou escapar uma lágrima. Jéssica se levantou, deu o sinal, desceu e ele seguiu viagem. Sozinho.

Reflexões: construindo o futuro no dia-a-dia

Os dias se passavam, envolvia-se no seu trabalho e no seus estudos, como se fosse aquilo seu objetivo de vida, se fosse para aquilo que vivesse. Tinha uma família feliz. Já era um vencedor. Era fiel e atencioso aos pais, auxiliava os irmãos. Mas enquanto caminhava, via-se inquieto, como se repensasse suas escolhas, as coisas que adiou. Pensava no seu passado e num possível futuro. Refletia em o quê e quem habitaria na sua história a partir de então, que caminhos trilharia, o que haveria de ainda ver.

Foi examinando seu passado, o que vivera, com que pessoas compartilhara seus momentos, se foi intenso ou não. Mas, no desenrolar de sua história, percebeu que fez as melhores escolhas e não se arrependia de ter vivido da forma como viveu até então. Sua dedicação às trivialidades foram lhe trazendo alegrias e conquistas de uma forma tão natural, mas que um dia lhe eram inimagináveis. Parece que o Criador lhe contemplava com as melhores coisas enquanto ele não se preocupava com isso.

Olhou para trás, portanto, e via que aquilo que viveu foi o melhor que poderia lhe ter acontecido, as coisas aconteceram plenamente ao seu tempo. Viu que havia construído, no pragmatismo do dia-a-dia, uma vida inteira, cheia de belezas e méritos, havia conquistado amigos e respeito, havia deixado marcas de seu esforço.

Sua inquietude neste momento nada mais era uma forma de a vida mostrar pra ele que é necessário mudar novamente. E que, desta vez, a mudança, a conquista, depende só dele. É como se o Criador lembrasse que agora precisa dele para promover a mudança. Que ele precisa mudar seu interior, repensar seus conceitos, como fazia agora, e agir.

E assim, convicto dessa verdade, começou a se esforçar para provocar as mudanças, e certamente receberá novamente suas conquistas. Pois a vida é assim. E muito mais havia a viver a partir dali. Seria tão fabuloso, mas tão natural quanto são as colheitas daquilo que se planta. Pedia, pois, ajuda do alto para que essa fortaleza que eram suas convicções continuassem a guiar o seu caminho, ainda um tanto incerto, mas repleto de certezas de que o melhor lhe aguardava lá na frente.